A MEGERA DOMADA
Continuação pt4...
No dia seguinte, Petrúcio prosseguiu da mesma forma. Sempre dizendo palavras bondosas a Catarina, mas quando ela tentou comer algo, ele descobriu defeitos no preparo do que lhe fora servido, jogando o café-da-manhã por terra, como o fizera com o jantar. E Catarina, a altiva Catarina, tinha vontade de suplicar aos criados que lhe trouxessem uma porção de comida secretamente. Mas, instruídos por Petrúcio, replicaram que não ousavam fazer nada que seu senhor não autorizasse.
- Ah! - disse ela, - terá se casado comigo para me matar de fome? Os mendigos que batem na porta de meu pai merecem melhor tratamento. E eu, que nunca senti falta de nada, estou a ponto de morrer de fome sem nada para comer, extenuada por falta de dormir, acordada aos gritos e nutrida com insultos. O que mais me aborrece é que tudo ele faz sob juras de amor perfeito, estimando que, se eu dormir ou se comer, estarei correndo perigo de morte.
Aqui o solilóquio foi interrompido pela entrada de Petrúcio; não demonstrando saber que ela estava morrendo de fome, ele tinha lhe trazido uma pequena porção de alimentos, dizendo-lhe:
- Como se sente, minha querida Keite? Aqui, amorzinho, você pode perceber como a adoro, pois preparei eu mesmo uma refeição para você. Estou certe de que esta gentileza merece seu reconhecimento. Então, não diz nenhuma palavra? Entendo, não gostou do que lhe preparei e todo o meu esforço foi em vão!
Mandou que o criado levasse o prato embora. A inanição, tendo abatido o orgulho de Catarina, levou-a suplicar-lhe, embora se mordendo de raiva:
- Rogo-lhe que ordene ao criado trazer de novo a comida.
Mas não era isso que Petrúcio pretendia conseguir, e replicou-lhe:
- Qualquer favor, por menor que seja, merece receber um agradecimento, assim como este que lhe fiz, para que possa ter acesso ao que lhe trouxe!
Ouvindo isto Catarina sussurrou relutante:
- Muito obrigada, meu senhor!
Assim consentiu que ela tomasse essa frugal refeição. Prometeu-lhe então:
- Que você se sinta confortável, Keite; coma tranquilamente. E agora, meu doce de coco, iremos visitar a casa de seu pai, vestidos com as melhores roupas de seda, e mantas de veludo e anéis de ouro, com chapéus finos e lenços especiais, esnobando elegância.
Querendo que acreditasse que lhe daria tais presentes, mandou vir a costureira e a modista, e elas lhe trouxeram tecidos especiais para que os examinasse. Entregou ao criado o prato em que ela estava comendo, antes que conseguisse comer nem a metade do que continha, dizendo:
- Ela já está satisfeita!
A modista lhe apresentou um chapéu, dizendo-lhe:
- Aqui está o chapéu que vossa senhorita encomendou.
Nisso, Petrúcio começou a esbravejar: disse que o chapéu fora moldado sobre um coco e não era maior do que uma noz ou uma avelã, ordenando à modista que o levasse embora e lhe trouxesse um outro bem maior. Catarina replicou-lhe:
- Eu gostei deste mesmo; está na moda, hoje, usar este modelo.
- Quando você se tornar completamente gentil, eu deixarei que use um destes, - disse-lhe Petrúcio. - E não agora!
O pouco de comida que Catarina tinha ingerido foi suficiente para lhe devolver o ânimo denodado, e ela retrucou-lhe:
- Fique sabendo, senhor, que tenho direito de falar, e vou falar: não sou nenhuma criança, nem uma demente; você vai ter de me ouvir e atender a meus desejos, senão é melhor que fique surdo de uma vez!
Petrúcio fingiu que não ouvira tão rudes palavras, pois tinha encontrado um jeito melhor de abordagem dessa mulher do que ficar discutindo com ela. Por isso, sua resposta foi a seguinte:
- Isto mesmo, o que você disse é verdade. O chapéu não vale nada, e você não pode mesmo gostar dele!
- Quer você queira ou não, - retrucou Catarina, - eu gostei do chapéu. E vou ficar com ele ou com nenhum outro!
- Você está dizendo que quer experimentar a camisola, - disse-lhe Petrúcio, ainda se fazendo de desentendido.
A costureira se adiantou e lhe apresentou uma linda camisola que costurara para ela. Petrúcio, que não queria que ela ficasse nem com o chapéu nem com a camisola, achou os maiores defeitos na confecção.
- Pelo amor de Deus! - disse, - que porcaria é esta aqui? Você chama isto de manga? Parece um canhão, arreganhada em cima e embaixo como um barril.
A costureira lhe disse:
- O senhor me pediu que a fizesse e acordo com a moda atual.
E Catarina confirmou que nunca tinha visto uma tão perfeita.
Isso foi o bastante para Petrúcio. Orientou o mordomo para que fossem pagas pelo trabalho e que lhes pedisse desculpas pela atrapalhada e pelos maus modos aparentes. Diante de Catarina, levantou a voz fortemente e com gestos furiosos enxotou a costureira e a modista do quarto onde estavam. E voltando-se para Catarina, disse-lhe:
- Bem, minha Keite, vou levar você até seu pai, com as roupas que está usando agora.
Mandou preparar os cavalos e garantiu que chegariam à casa de Batista para o almoço, pois ainda eram sete horas da manhã. Acontece que não era tão cedo quando disse isso, mas quase meio-dia. Assim, Catarina arriscou dizer, em tom bem moderado, tendo quase dominado a impetuosidade de suas reações:
- Ouso lhe dizer, meu senhor, que já passa das doze, e nós lá chegaremos apenas para o jantar.
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